domingo, 22 de março de 2015

Mais um artigo para complementar nossas pesquisas - Aspectos oftalmológicos da síndrome do pseudotumor cerebral

Olá amigos, preparados para mais um artigo?
Pois a informação é essencial para enfrentarmos esse inimigo invisível aos olhos das pessoas, mas tão presente em nossas vidas.
Boa leitura!

Aspectos oftalmológicos da síndrome do pseudotumor cerebral
Mário Luiz Ribeiro Monteiro*
Introdução
A síndrome do pseudotumor cerebral (SPC), também conhecida como hipertensão intracraniana idiopática, é uma afecção de causa geralmente desconhecida que se caracteriza por elevação da pressão intracraniana (PIC), sem ventriculomegalia ou efeito de massa, e com a composição do líquido cefaloraqueano normal. A condição não é rara e a incidência anual em mulheres obesas atinge 20 por 100.000 habitantes por ano. A afecção ocorre em qualquer idade, sendo mais comum na terceira década de vida, com uma preponderância de mulheres em relação a homens. 

Embora benigno do ponto de vista neurológico, o pseudotumor cerebral pode levar a inúmeras alterações oftalmológicas, acarretando perda visual em uma porcentagem bastante alta de indivíduos. O conhecimento do seu quadro clínico e das suas principais manifestações oftalmológicas é, portanto, de fundamental importância para o oftalmologista, que muitas vezes tem uma participação importante no diagnóstico e tratamento dessa afecção.

Etiopatogenia 
A SPC pode ser idiopática, desencadeada por agentes farmacológicos ou ainda causada por condições que levam à hipertensão no sistema venoso de drenagem cerebral. Pode ser classificada em primário e secundário, quando se utiliza o termo síndrome do pseudotumor cerebral de uma forma mais ampla, englobando várias alterações que causam aumento da pressão intracraniana em pacientes sem alterações do nível de consciência e sem sinais neurológicos localizatórios. Alguns autores utilizam o termo pseudotumor cerebral apenas para aqueles casos sem qualquer afecção intracraniana (como sinônimo de hipertensão intracraniana idiopática).
A SPC primário é a forma mais comum da doença, também conhecida como hipertensão intracraniana idiopática, em que não existe qualquer causa detectável para a elevação da PIC. Nesse grupo existe uma preponderância muito grande de mulheres jovens e obesas. Várias tentativas já foram feitas no sentido de detectar a causa da condição, sem sucesso. A fisiopatogenia do desenvolvimento da hipertensão intracraniana nesses casos permanece desconhecida. Existe um subgrupo desses pacientes no qual se observa um fator desencadeante presumível. As características clínicas são semelhantes àquelas do grupo sem causa detectável, talvez apenas com uma evolução mais curta e uma maior propensão à remissão completa e espontânea. Várias substâncias já foram enumeradas como prováveis desencadeantes da hipertensão intracraniana, incluindo drogas, distúrbios metabólicos, endócrinos, hematológicos e traumatismo craniano. Entre as drogas que já foram relacionadas: tetraciclinas, ácido nalidíxico, nitrofurantoína, sulfametoxazol, corticóides e contraceptivos orais, clorpromazina, carbonato de lítio, amiodarona, indometacina etc. Entre os distúrbios metabólicos e nutricionais devem ser lembradas as deficiências enzimáticas de galactoquinase, a hipervitaminose A, a deficiência de vitamina D e a fibrose cística. Entre as alterações endócrinas estão a deficiência cortisônica na síndrome de Addison, o excesso de corticóide na síndrome de Cushing, doenças tireoidianas e da paratireóide. 
O pseudotumor cerebral pode também ser secundário à dificuldade de retorno venoso cerebral. Existe uma série de causas de dificuldade no sistema venoso de drenagem, incluindo a obstrução dos seios venosos, seja de causa idiopática, seja por estados hipercoaguláveis, assim como causada por traumatismo, tumores, doença crônica do ouvido interno, doença de Behcet, lúpus eritematoso ou cirurgias intracranianas. A hipertensão venosa pode ainda decorrer de acometimento das veias jugulares, malformações arteriovenosas durais ou intraparenquimatosas, insuficiência cardíaca ou doença respiratória crônica. Todas essas causas podem ser associadas a um quadro semelhante àquele dos pacientes sem etiologia definida. Mas em vários deles existem alterações neurorradiológicas que permitem separá-los e identificar alterações que podem exigir tratamentos específicos, dependendo do caso. 

Características clínicas 
Os sintomas do pseudotumor cerebral são aqueles da hipertensão intracraniana, sendo os mais comuns a cefaléia, os obscurecimentos transitórios da visão, a diplopia e a perda visual. 
A cefaléia é muito freqüente nos pacientes com pseudotumor, particularmente aqueles que procuram atendimento neurológico; no entanto pode estar ausente entre 10% e 20%, ou mais, daqueles indivíduos que procuram atendimento oftalmológico devido a perda visual, diplopia ou obscurecimentos transitórios da visão. Em outros casos, a cefaléia é de curta duração, presente apenas nas primeiras semanas do desenvolvimento da síndrome. Não há uma característica específica da cefaléia, que pode ser difusa ou unilateral, discreta ou severa. Em casos mais típicos a dor de cabeça é diária, descrita como pulsátil, podendo ser acompanhada de náuseas e vômitos, e algumas vezes acordando o paciente à noite.
Obscurecimentos transitórios da visão são episódios transitórios de embaçamento visual que geralmente duram menos do que 30 segundos, se seguem da recuperação completa da visão e ocorrem em grande parte nos indivíduos com pseudotumor cerebral. Os ataques são uni ou binoculares e podem ocorrer após mudanças posturais do indivíduo. Acredita-se que sejam decorrentes de isquemia transitória da cabeça do nervo óptico. Embora tais sintomas estejam associados à perda visual definitiva e sejam usados por alguns como indicação para tratamento cirúrgico do pseudotumor, outros autores não acreditam que por si só estejam associados a um prognóstico visual pior.
Diplopia é quase sempre horizontal, raramente vertical e é geralmente devido ao acometimento do nervo abducente pela hipertensão intracraniana. Muito mais raramente, a diplopia pode ser decorrente de acometimento do nervo troclear. Em torno de 5% dos casos o pseudotumor cerebral pode ser completamente assintomático, diagnosticado em uma consulta de rotina.
Quanto aos achados de exame, o papiledema é o sinal oftalmoscópico característico do pseudotumor cerebral, podendo ser discreto ou acentuado, com sinais de cronicidade. Pode ser um papiledema atrófico quando se observa palidez de papila associada (Figuras 1 e 2). Embora quase sempre presente, o papiledema, em casos raros, pode ser unilateral ou mesmo estar ausente nos dois olhos. 
A paralisia ou paresia do nervo abducente é o segundo sinal neuroftalmológico em ordem de freqüência, pode ser uni ou bilateral e representa um sinal não localizatório da hipertensão intracraniana, presente em 10% a 20% dos pacientes. Alterações oculomotoras outras, como desvios verticais, embora possíveis, são muito raras. E o diagnóstico de pseudotumor deve ser questionado em indivíduos com alterações motoras que não sejam aquelas relacionadas ao abducente. 
A acuidade visual geralmente permanece normal, a não ser quando a condição é de muito longa duração. Em alguns indivíduos nos quais a acuidade visual é reduzida precocemente, deve-se possivelmente a edema macular, mas a perda visual definitiva geralmente ocorre por disfunção do nervo óptico. 
Alterações no campo visual são extremamente comuns em pacientes com pseudotumor cerebral. Vários autores encontraram alteração campimétrica em freqüência variando entre 49% e 87% dos olhos estudados. Em um estudo avaliando 58 olhos com pseudotumor, encontramos alterações campimétricas em 72,4%. Em 25% a alteração era muito grave. Os defeitos mais comuns são a constrição generalizada e a perda no setor nasal inferior, seguidos dos defeitos arqueados e do aumento da mancha cega. 
A perda visual geralmente decorre de atrofia progressiva das fibras do nervo óptico. Outro mecanismo que pode explicar a perda visual é a extensão de edema desde o disco óptico até a mácula. Hemorragias retinianas ou sub-retinainas maculares ou peripapilares, alterações pigmentares retinianas, o desenvolvimento de membrana neovascular peripapilar e a presença de dobras de coróide com desalinhamento dos fotorreceptores maculares também podem ser responsáveis pela perda visual. 

Diagnóstico diferencial
Várias condições devem ser incluídas no diagnóstico diferencial do pseudotumor cerebral. Uma das causas mais comuns de confusão é a combinação de drusas ou outras anomalias do disco óptico e cefaléia. Essa combinação em uma mulher obesa que apresente líquor com pressão no limite superior da normalidade pode levar a grande confusão e tratamento errôneo. Nesses casos, a observação cuidadosa dos limites da papila, bem como a angiofluoresceinografia a ecografia, e até mesmo a tomografia computadorizada, podem ser úteis na identificação de drusas ocultas. 
Tumores intracranianos como gliomas, tumores metastáticos e a gliomatose cerebral podem simular um quadro de pseudotumor cerebral, o mesmo ocorrendo com uma série de processos infecciosos, tais como encefalites virais, meningites e sífilis do sistema nervoso central. Todas essas condições devem ser descartadas pelos métodos de neuroimagem e pelo exame liquórico.
A tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética mostram-se normais nos indivíduos com hipertensão intracraniana idiopática, com ventrículos normais e sem processo expansivo. Podem ser observadas sela túrcica vazia e distensão da bainha do nervo óptico, que são achados decorrentes da hipertensão intracraniana. Deve ser também realizada angiorressonância venosa de crânio para afastar oclusão dos seios venosos cerebrais, que, quando presente, exige tratamento apropriado.

Tratamento
O tratamento do pseudotumor cerebral deve levar em conta o acompanhamento neurológico e oftalmológico. A função visual deve ser monitorada continuamente durante o tratamento através da medida da acuidade visual. Mas principalmente deve ser feita a monitorização do campo visual e do papiledema. A medida isolada da acuidade visual não é suficiente para o seguimento do paciente. Medidas da pressão intracraniana, embora úteis, podem ser enganosas, uma vez que a pressão intracraniana flutua bastante durante o dia e não correlaciona sempre com o quadro clínico. É extremamente importante a participação ativa do oftalmologista no seguimento desses indivíduos, que deve ser feita através do exame periódico do campo visual e, se possível, através de fotografias seriadas do papiledema. A perimetria computadorizada pode ser útil em pacientes colaborativos, enquanto a manual deve ser usada naqueles em que ela não é confiável, ou nos pacientes com perda visual muito acentuada. Deve-se também tomar cuidado quanto a resultados falso-positivos decorrentes de múltiplos obscurecimentos transitórios da visão durante a realização do exame perimétrico, especialmente quando realizados no campímetro computadorizado.
Pacientes com quadros obstrutivos dos seios venosos intracranianos devem ser tratados dependendo do diagnóstico primário, seja com anticoagulantes nos quadros de trombose de seios venosos, seja com procedimentos neurorradiológicos ou neurocirúrgicos nos casos de malformações arteriovenosas ou de lesões outras que provoquem hipertensão do sistema venoso de drenagem cerebral.
Nos pacientes com hipertensão intracraniana idiopática, quando a obesidade está presente, a primeira medida terapêutica a ser tentada deve ser a redução de peso. Vários autores já demonstraram a melhora ou o desaparecimento da hipertensão intracraniana apenas com a redução de peso. Punções lombares de repetição já foram um tratamento usado na hipertensão intracraniana idiopática; no entanto, levando-se em consideração os dados que indicam que o volume do líquor é restituído em 1 ou 2 horas e a resistência dos pacientes na sua utilização, esse tratamento tem sido cada vez menos utilizado. 
Acetazolamida, um agente que também reduz a produção do líquor, parece efetivo no tratamento da HII. A dose utilizada pode chegar a 2 a 4 gramas por dia, embora alguns autores tenham documentado a resolução do papiledema em pacientes tratados com 1 grama de acetazolamida por dia. O furosemide e mesmo outros diuréticos também podem ser utilizados com respostas favoráveis, representando uma alternativa para o uso da acetazolamida.
Corticosteróides também têm sido muito utilizados, sendo que muitos pacientes apresentam respostas favoráveis. No entanto, podem ocorrer vários efeitos colaterais, especialmente em pacientes obesos. Outras vezes observa-se recidiva do quadro quando há retirada do corticóide. Portanto, seu uso requer redução realizada de maneira lenta e gradual para evitar recidiva.
Quando observa-se piora da função visual a despeito do tratamento clínico ou quando ele não pode ser mantido por muito tempo devido à intolerância medicamentosa, pode-se recorrer ao tratamento cirúrgico. Atualmente os mais utilizados são a derivação lomboperitoneal e a descompressão da bainha do nervo óptico. A derivação lomboperitoneal, embora efetiva no controle da hipertensão intracraniana, pode se complicar com oclusão ou deslocamento da válvula, dor ciática e infecção. Devido à alta taxa de complicações, o uso da derivação lomboperitoneal tem diminuído, embora ainda seja uma alternativa possível em casos graves.
A descompressão da bainha do nervo óptico é um procedimento que foi descrito pela primeira vez por De Wecker em 1872 para tratamento do papiledema. A utilização de técnicas cirúrgicas rudimentares e o pouco conhecimento da fisiopatogenia do papiledema fizeram com que o procedimento caísse no esquecimento. Após os estudos de Hayreh sobre a fisiopatogenia do papiledema em 1964, houve um novo interesse por esse tratamento cirúrgico, reintroduzido por Galbraith e Sullivan em 1979, que descreveram uma técnica cirúrgica onde desinseriram o músculo reto medial e realizaram uma abertura na bainha do nervo óptico em sua porção medial e anterior. Desde então, o procedimento se tornou mais difundido e, a partir do final dos anos 80, começou a ser usado com maior freqüência para tratamento do papiledema na SPC. 
A descompressão da bainha do nervo óptico consegue reverter em parte a perda visual e proteger o nervo óptico quanto à deterioração visual. Raramente os pacientes podem apresentar perda visual no período per-operatório. Vários autores já documentaram o controle do papiledema com essa cirurgia, obtendo alguma melhora visual em uma porcentagem significativa dos casos. No entanto, deve ser lembrado que a melhora visual geralmente é discreta e não ocorre em pacientes com perda visual de longa duração e acentuada. Há alguns anos, analisamos os resultados de 24 olhos de 17 pacientes com SPC nos quais realizamos a descompressão da bainha do nervo óptico por via medial, com a modificação da técnica descrita por Sergott e col. Obtivemos melhora visual em 15, enquanto houve piora visual em 1, e a visão permaneceu inalterada em 8 olhos. A piora visual foi observada em apenas um olho, de uma paciente operada quando apresentava perda visual rapidamente progressiva e muito severa da visão, já com edema pálido de papila. Houve resolução do papiledema em todos os olhos operados. Nossa casuística inclui um número muito grande de pacientes operados em fase final da doença, o que serve para salientar que a condição é muitas vezes pouco reconhecida em nosso meio. 
A descompressão da bainha do nervo óptico é geralmente o tratamento de escolha quando existe perda visual progressiva em pacientes com cefaléia discreta ou facilmente controlável com medicação, embora 50% dos pacientes apresentem melhora na cefaléia após a realização desse procedimento. O mecanismo de ação é ainda controverso, mas acredita-se que haja a formação de uma fístula com drenagem do líquor no espaço retrobulbar. Sabe-se que o procedimento se mantém funcionante por muito tempo. O mecanismo de ação a longo prazo pode ser através da fístula que se mantém funcionante ou pelo fechamento do espaço subaracnóideo perióptico, o que impediria o desenvolvimento do papiledema. Em casos muito graves de perda visual por derivações lomboperitoneais com funcionamento inadequado, a descompressão pode ser realizada como uma proteção adicional ao nervo óptico mesmo em pacientes já derivados. Por outro lado, nos casos de cefaléia muito severa a derivação lomboperitoneal parece ser o tratamento de escolha. 
Embora a melhora visual em olhos com papiledema atrófico seja possível, a maior ênfase no tratamento clínico e cirúrgico da SPC deve ser no sentido de prevenir ou estabilizar a perda visual. É fundamental, portanto, a participação ativa do oftalmologista no diagnóstico, no monitoramento e no tratamento dessa afecção.



*Professor associado livre-docente de oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo; Coordenador do programa de pós-graduação em oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo; Coordenador do programa de pós-graduação em oftamologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo


Encontrei outro artigo deste mesmo professor, até um pouco semelhante a este, porém com mais informações científicas. Quem quiser se aprofundar um pouco mais, aí vai o link:




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