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Boa leitura!
Aspectos oftalmológicos da síndrome do pseudotumor
cerebral
Mário
Luiz Ribeiro Monteiro*
Introdução
A síndrome do pseudotumor cerebral (SPC), também conhecida como
hipertensão intracraniana idiopática, é uma afecção de causa geralmente
desconhecida que se caracteriza por elevação da pressão intracraniana (PIC),
sem ventriculomegalia ou efeito de massa, e com a composição do líquido
cefaloraqueano normal. A condição não é rara e a incidência anual em mulheres
obesas atinge 20 por 100.000 habitantes por ano. A afecção ocorre em qualquer
idade, sendo mais comum na terceira década de vida, com uma preponderância de
mulheres em relação a homens.
Embora benigno do ponto de vista neurológico, o pseudotumor cerebral
pode levar a inúmeras alterações oftalmológicas, acarretando perda visual em
uma porcentagem bastante alta de indivíduos. O conhecimento do seu quadro
clínico e das suas principais manifestações oftalmológicas é, portanto, de
fundamental importância para o oftalmologista, que muitas vezes tem uma
participação importante no diagnóstico e tratamento dessa afecção.
Etiopatogenia
A SPC pode ser idiopática, desencadeada por agentes farmacológicos ou
ainda causada por condições que levam à hipertensão no sistema venoso de
drenagem cerebral. Pode ser classificada em primário e secundário, quando se
utiliza o termo síndrome do pseudotumor cerebral de uma forma mais ampla,
englobando várias alterações que causam aumento da pressão intracraniana em
pacientes sem alterações do nível de consciência e sem sinais neurológicos
localizatórios. Alguns autores utilizam o termo pseudotumor cerebral apenas
para aqueles casos sem qualquer afecção intracraniana (como sinônimo de
hipertensão intracraniana idiopática).
A SPC primário é a forma mais comum da doença, também conhecida como
hipertensão intracraniana idiopática, em que não existe qualquer causa
detectável para a elevação da PIC. Nesse grupo existe uma preponderância muito
grande de mulheres jovens e obesas. Várias tentativas já foram feitas no
sentido de detectar a causa da condição, sem sucesso. A fisiopatogenia do
desenvolvimento da hipertensão intracraniana nesses casos permanece desconhecida.
Existe um subgrupo desses pacientes no qual se observa um fator desencadeante
presumível. As características clínicas são semelhantes àquelas do grupo sem
causa detectável, talvez apenas com uma evolução mais curta e uma maior
propensão à remissão completa e espontânea. Várias substâncias já foram
enumeradas como prováveis desencadeantes da hipertensão intracraniana,
incluindo drogas, distúrbios metabólicos, endócrinos, hematológicos e
traumatismo craniano. Entre as drogas que já foram relacionadas: tetraciclinas,
ácido nalidíxico, nitrofurantoína, sulfametoxazol, corticóides e contraceptivos
orais, clorpromazina, carbonato de lítio, amiodarona, indometacina etc. Entre
os distúrbios metabólicos e nutricionais devem ser lembradas as deficiências enzimáticas
de galactoquinase, a hipervitaminose A, a deficiência de vitamina D e a fibrose
cística. Entre as alterações endócrinas estão a deficiência cortisônica na
síndrome de Addison, o excesso de corticóide na síndrome de Cushing, doenças
tireoidianas e da paratireóide.
O pseudotumor cerebral pode também ser secundário à dificuldade de
retorno venoso cerebral. Existe uma série de causas de dificuldade no sistema
venoso de drenagem, incluindo a obstrução dos seios venosos, seja de causa
idiopática, seja por estados hipercoaguláveis, assim como causada por
traumatismo, tumores, doença crônica do ouvido interno, doença de Behcet, lúpus
eritematoso ou cirurgias intracranianas. A hipertensão venosa pode ainda
decorrer de acometimento das veias jugulares, malformações arteriovenosas
durais ou intraparenquimatosas, insuficiência cardíaca ou doença respiratória
crônica. Todas essas causas podem ser associadas a um quadro semelhante àquele
dos pacientes sem etiologia definida. Mas em vários deles existem alterações
neurorradiológicas que permitem separá-los e identificar alterações que podem
exigir tratamentos específicos, dependendo do caso.
Características clínicas
Os sintomas do pseudotumor cerebral são aqueles da hipertensão
intracraniana, sendo os mais comuns a cefaléia, os obscurecimentos transitórios
da visão, a diplopia e a perda visual.
A cefaléia é muito freqüente nos pacientes com pseudotumor,
particularmente aqueles que procuram atendimento neurológico; no entanto pode
estar ausente entre 10% e 20%, ou mais, daqueles indivíduos que procuram
atendimento oftalmológico devido a perda visual, diplopia ou obscurecimentos
transitórios da visão. Em outros casos, a cefaléia é de curta duração, presente
apenas nas primeiras semanas do desenvolvimento da síndrome. Não há uma
característica específica da cefaléia, que pode ser difusa ou unilateral,
discreta ou severa. Em casos mais típicos a dor de cabeça é diária, descrita
como pulsátil, podendo ser acompanhada de náuseas e vômitos, e algumas vezes
acordando o paciente à noite.
Obscurecimentos transitórios da visão são episódios transitórios de
embaçamento visual que geralmente duram menos do que 30 segundos, se seguem da
recuperação completa da visão e ocorrem em grande parte nos indivíduos com
pseudotumor cerebral. Os ataques são uni ou binoculares e podem ocorrer após
mudanças posturais do indivíduo. Acredita-se que sejam decorrentes de isquemia
transitória da cabeça do nervo óptico. Embora tais sintomas estejam associados
à perda visual definitiva e sejam usados por alguns como indicação para
tratamento cirúrgico do pseudotumor, outros autores não acreditam que por si só
estejam associados a um prognóstico visual pior.
Diplopia é quase sempre horizontal, raramente vertical e é geralmente
devido ao acometimento do nervo abducente pela hipertensão intracraniana. Muito
mais raramente, a diplopia pode ser decorrente de acometimento do nervo
troclear. Em torno de 5% dos casos o pseudotumor cerebral pode ser
completamente assintomático, diagnosticado em uma consulta de rotina.
Quanto aos achados de exame, o papiledema é o sinal oftalmoscópico
característico do pseudotumor cerebral, podendo ser discreto ou acentuado, com
sinais de cronicidade. Pode ser um papiledema atrófico quando se observa
palidez de papila associada (Figuras 1 e 2). Embora quase sempre presente, o
papiledema, em casos raros, pode ser unilateral ou mesmo estar ausente nos dois
olhos.
A paralisia ou paresia do nervo abducente é o segundo sinal
neuroftalmológico em ordem de freqüência, pode ser uni ou bilateral e
representa um sinal não localizatório da hipertensão intracraniana, presente em
10% a 20% dos pacientes. Alterações oculomotoras outras, como desvios
verticais, embora possíveis, são muito raras. E o diagnóstico de pseudotumor
deve ser questionado em indivíduos com alterações motoras que não sejam aquelas
relacionadas ao abducente.
A acuidade visual geralmente permanece normal, a não ser quando a
condição é de muito longa duração. Em alguns indivíduos nos quais a acuidade
visual é reduzida precocemente, deve-se possivelmente a edema macular, mas a
perda visual definitiva geralmente ocorre por disfunção do nervo óptico.
Alterações no campo visual são extremamente comuns em pacientes com
pseudotumor cerebral. Vários autores encontraram alteração campimétrica em
freqüência variando entre 49% e 87% dos olhos estudados. Em um estudo avaliando
58 olhos com pseudotumor, encontramos alterações campimétricas em 72,4%. Em 25%
a alteração era muito grave. Os defeitos mais comuns são a constrição generalizada
e a perda no setor nasal inferior, seguidos dos defeitos arqueados e do aumento
da mancha cega.
A perda visual geralmente decorre de atrofia progressiva das fibras do
nervo óptico. Outro mecanismo que pode explicar a perda visual é a extensão de
edema desde o disco óptico até a mácula. Hemorragias retinianas ou
sub-retinainas maculares ou peripapilares, alterações pigmentares retinianas, o
desenvolvimento de membrana neovascular peripapilar e a presença de dobras de
coróide com desalinhamento dos fotorreceptores maculares também podem ser
responsáveis pela perda visual.
Diagnóstico diferencial
Várias condições devem ser incluídas no diagnóstico diferencial do
pseudotumor cerebral. Uma das causas mais comuns de confusão é a combinação de
drusas ou outras anomalias do disco óptico e cefaléia. Essa combinação em uma
mulher obesa que apresente líquor com pressão no limite superior da normalidade
pode levar a grande confusão e tratamento errôneo. Nesses casos, a observação
cuidadosa dos limites da papila, bem como a angiofluoresceinografia a
ecografia, e até mesmo a tomografia computadorizada, podem ser úteis na
identificação de drusas ocultas.
Tumores intracranianos como gliomas, tumores metastáticos e a gliomatose
cerebral podem simular um quadro de pseudotumor cerebral, o mesmo ocorrendo com
uma série de processos infecciosos, tais como encefalites virais, meningites e
sífilis do sistema nervoso central. Todas essas condições devem ser descartadas
pelos métodos de neuroimagem e pelo exame liquórico.
A tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética
mostram-se normais nos indivíduos com hipertensão intracraniana idiopática, com
ventrículos normais e sem processo expansivo. Podem ser observadas sela túrcica
vazia e distensão da bainha do nervo óptico, que são achados decorrentes da
hipertensão intracraniana. Deve ser também realizada angiorressonância venosa
de crânio para afastar oclusão dos seios venosos cerebrais, que, quando
presente, exige tratamento apropriado.
Tratamento
O tratamento do pseudotumor cerebral deve levar em conta o
acompanhamento neurológico e oftalmológico. A função visual deve ser monitorada
continuamente durante o tratamento através da medida da acuidade visual. Mas
principalmente deve ser feita a monitorização do campo visual e do papiledema.
A medida isolada da acuidade visual não é suficiente para o seguimento do
paciente. Medidas da pressão intracraniana, embora úteis, podem ser enganosas,
uma vez que a pressão intracraniana flutua bastante durante o dia e não
correlaciona sempre com o quadro clínico. É extremamente importante a
participação ativa do oftalmologista no seguimento desses indivíduos, que deve
ser feita através do exame periódico do campo visual e, se possível, através de
fotografias seriadas do papiledema. A perimetria computadorizada pode ser útil
em pacientes colaborativos, enquanto a manual deve ser usada naqueles em que
ela não é confiável, ou nos pacientes com perda visual muito acentuada. Deve-se
também tomar cuidado quanto a resultados falso-positivos decorrentes de
múltiplos obscurecimentos transitórios da visão durante a realização do exame
perimétrico, especialmente quando realizados no campímetro computadorizado.
Pacientes com quadros obstrutivos dos seios venosos intracranianos devem
ser tratados dependendo do diagnóstico primário, seja com anticoagulantes nos
quadros de trombose de seios venosos, seja com procedimentos neurorradiológicos
ou neurocirúrgicos nos casos de malformações arteriovenosas ou de lesões outras
que provoquem hipertensão do sistema venoso de drenagem cerebral.
Nos pacientes com hipertensão intracraniana idiopática, quando a
obesidade está presente, a primeira medida terapêutica a ser tentada deve ser a
redução de peso. Vários autores já demonstraram a melhora ou o desaparecimento
da hipertensão intracraniana apenas com a redução de peso. Punções lombares de
repetição já foram um tratamento usado na hipertensão intracraniana idiopática;
no entanto, levando-se em consideração os dados que indicam que o volume do líquor
é restituído em 1 ou 2 horas e a resistência dos pacientes na sua utilização,
esse tratamento tem sido cada vez menos utilizado.
Acetazolamida, um agente que também reduz a produção do líquor, parece
efetivo no tratamento da HII. A dose utilizada pode chegar a 2 a 4 gramas por
dia, embora alguns autores tenham documentado a resolução do papiledema em
pacientes tratados com 1 grama de acetazolamida por dia. O furosemide e mesmo
outros diuréticos também podem ser utilizados com respostas favoráveis, representando
uma alternativa para o uso da acetazolamida.
Corticosteróides também têm sido muito utilizados, sendo que muitos
pacientes apresentam respostas favoráveis. No entanto, podem ocorrer vários
efeitos colaterais, especialmente em pacientes obesos. Outras vezes observa-se
recidiva do quadro quando há retirada do corticóide. Portanto, seu uso requer
redução realizada de maneira lenta e gradual para evitar recidiva.
Quando observa-se piora da função visual a despeito do tratamento
clínico ou quando ele não pode ser mantido por muito tempo devido à
intolerância medicamentosa, pode-se recorrer ao tratamento cirúrgico.
Atualmente os mais utilizados são a derivação lomboperitoneal e a descompressão
da bainha do nervo óptico. A derivação lomboperitoneal, embora efetiva no
controle da hipertensão intracraniana, pode se complicar com oclusão ou
deslocamento da válvula, dor ciática e infecção. Devido à alta taxa de
complicações, o uso da derivação lomboperitoneal tem diminuído, embora ainda
seja uma alternativa possível em casos graves.
A descompressão da bainha do nervo óptico é um procedimento que foi
descrito pela primeira vez por De Wecker em 1872 para tratamento do papiledema.
A utilização de técnicas cirúrgicas rudimentares e o pouco conhecimento da
fisiopatogenia do papiledema fizeram com que o procedimento caísse no
esquecimento. Após os estudos de Hayreh sobre a fisiopatogenia do papiledema em
1964, houve um novo interesse por esse tratamento cirúrgico, reintroduzido por
Galbraith e Sullivan em 1979, que descreveram uma técnica cirúrgica onde
desinseriram o músculo reto medial e realizaram uma abertura na bainha do nervo
óptico em sua porção medial e anterior. Desde então, o procedimento se tornou
mais difundido e, a partir do final dos anos 80, começou a ser usado com maior
freqüência para tratamento do papiledema na SPC.
A descompressão da bainha do nervo óptico consegue reverter em parte a
perda visual e proteger o nervo óptico quanto à deterioração visual. Raramente
os pacientes podem apresentar perda visual no período per-operatório. Vários
autores já documentaram o controle do papiledema com essa cirurgia, obtendo
alguma melhora visual em uma porcentagem significativa dos casos. No entanto,
deve ser lembrado que a melhora visual geralmente é discreta e não ocorre em
pacientes com perda visual de longa duração e acentuada. Há alguns anos,
analisamos os resultados de 24 olhos de 17 pacientes com SPC nos quais
realizamos a descompressão da bainha do nervo óptico por via medial, com a
modificação da técnica descrita por Sergott e col. Obtivemos melhora visual em
15, enquanto houve piora visual em 1, e a visão permaneceu inalterada em 8
olhos. A piora visual foi observada em apenas um olho, de uma paciente operada
quando apresentava perda visual rapidamente progressiva e muito severa da
visão, já com edema pálido de papila. Houve resolução do papiledema em todos os
olhos operados. Nossa casuística inclui um número muito grande de pacientes
operados em fase final da doença, o que serve para salientar que a condição é
muitas vezes pouco reconhecida em nosso meio.
A descompressão da bainha do nervo óptico é geralmente o tratamento de
escolha quando existe perda visual progressiva em pacientes com cefaléia
discreta ou facilmente controlável com medicação, embora 50% dos pacientes
apresentem melhora na cefaléia após a realização desse procedimento. O
mecanismo de ação é ainda controverso, mas acredita-se que haja a formação de
uma fístula com drenagem do líquor no espaço retrobulbar. Sabe-se que o
procedimento se mantém funcionante por muito tempo. O mecanismo de ação a longo
prazo pode ser através da fístula que se mantém funcionante ou pelo fechamento
do espaço subaracnóideo perióptico, o que impediria o desenvolvimento do
papiledema. Em casos muito graves de perda visual por derivações
lomboperitoneais com funcionamento inadequado, a descompressão pode ser
realizada como uma proteção adicional ao nervo óptico mesmo em pacientes já
derivados. Por outro lado, nos casos de cefaléia muito severa a derivação
lomboperitoneal parece ser o tratamento de escolha.
Embora a melhora visual em olhos com papiledema atrófico seja possível,
a maior ênfase no tratamento clínico e cirúrgico da SPC deve ser no sentido de
prevenir ou estabilizar a perda visual. É fundamental, portanto, a participação
ativa do oftalmologista no diagnóstico, no monitoramento e no tratamento dessa
afecção.
*Professor associado
livre-docente de oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de São Paulo; Coordenador do programa de pós-graduação em oftalmologia da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo; Coordenador do
programa de pós-graduação em oftamologia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo
Encontrei outro artigo deste mesmo professor, até um pouco semelhante a este, porém com mais informações científicas. Quem quiser se aprofundar um pouco mais, aí vai o link:
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